O Brasil é para os ricos... De paciência!
March 2017
Em 22 de agosto de 1940, desembarcava no Rio um escritor austríaco que viria a criar a expressão mais utilizada internacionalmente para descrever o Brasil. Stefan Zweig fugia do nazismo e escolheu uma terra pela qual virou um apaixonado. Percorreu boa parte do país, ficou abismado com a grandeza e riqueza do território, e gozou do choque cultural, descrevendo os brasileiros como pessoas calmas, pensativas e sentimentais, tendo sempre um cafezinho no ponto para oferecer.
Diante de uma terra com tanto potencial, Zweig escreveu o livro "Brasilien: Ein Land der Zukunft", ou:
Brasil, País do Futuro.
Uma pausa para um experimento: Se você pegar qualquer música de crítica ao Brasil nos anos 80/90 da Legião Urbana e postar no seu Facebook com "Autor Desconhecido", quantos dos seus amigos vão saber que aquela não é uma letra atual?
...Vamos celebrar a estupidez do povo. Nossa polícia e televisão.
Vamos celebrar nosso governo. E nosso estado, que não é nação.
Celebrar a juventude sem escola. As crianças mortas.
Celebrar nossa desunião. Vamos celebrar eros e thanatos.
Persephone e hades. Vamos celebrar nossa tristeza.
Vamos celebrar nossa vaidade. Vamos comemorar como idiotas.
A cada fevereiro e feriado. Todos os mortos nas estradas.
Os mortos por falta de hospitais. Vamos celebrar nossa justiça.
A ganância e difamação. Vamos celebrar os preconceitos.
O voto dos analfabetos. Comemorar a água podre.
E todos os impostos...
Cresci ouvindo essas músicas e tentando assimilar o paradoxo de sentimentos e convicções dos adultos que, hora se convenciam que o futuro do "país do futuro" finalmente estava chegando, hora se lamentavam: "O Brasil não tem jeito!".
E o tempo continua passando, passando… Muita coisa melhora, mas o básico do básico continua um completo desastre. Pior ainda, o básico fica cada vez pior. Existe algo mais bizarro que um paciente no chão de um hospital? Ou precisar ficar trancado na própria casa, com muros altos, grades e segurança eletrônica? E que tal ter que entrar no carro com pressa ou andar de janelas fechadas para evitar ser sequestrado? Isso pode ser chamado de qualquer coisa, menos "vida"!
Mas cá entre nós, o Brasil é gostoso demais! Em meio as minhas diversas fugas nos últimos quinze anos, lutando por oportunidades em outros países, sempre precisei de cinco minutos de reflexão quando batia os olhos em alguém citando aquela frase famosa de Tom Jobim:
Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom.
Mas tudo tem limite! Ou deveria ter. Eu bem que tentei, mas não consegui continuar renovando minhas esperanças no Brasil, ano após ano, imposto após imposto, decepção após decepção. E com o tempo, até aquele lado gostoso vai se apagando, até não fazer mais sentido algum. Algumas pessoas me criticaram alguns anos atrás por ir embora e estar falando dos problemas, mas não estar na rua lutando por mudanças. Consigo entender completamente e até admito um certo egoísmo, já que decidi colocar a minha vida e a da minha família em primeiro lugar. A vida é curta e querer ter qualidade de vida com as pessoas que amo é a minha prioridade.
A troca do Indaiá
Uns meses atrás, acordei de ressaca em um Sábado chuvoso aqui em Sydney e fui para o escritório resolver umas pendências. Trabalhar com ressaca aos trinta anos definitivamente não é um mero desconforto como aos vinte. Em uma das minhas diversas idas à pia da cozinha, para beber água da torneira, parei para recordar os meus velhos tempos de empresa no Brasil, negociando com meu grande amigo, e sócio na época, Fernando Belchior, para saber quem iria ficar responsável por comprar e trocar o Indaiá do escritório, naquela semana. Fiquei uns minutos realizando o quanto algo tão básico (beber água) é um problema grave em várias regiões do Brasil e burocrático/trabalhoso em diversos lares e empresas do país. Cheguei ao cúmulo de começar a calcular quantos Reais e quantas horas perdi só para garantir que o escritório sempre tivesse água para beber.
A partir de algo tão pequeno e discreto no dia-a-dia, resolvi passar a observar e anotar todas essas melhorias sutis na minha vida aqui na Austrália, comparando aos anos no Brasil.
Depois de ter morado em uma cidade menor na Austrália, eu e minha noiva chegamos em Sydney, maior cidade do país, um pouco desconfiados em relação a segurança. Nos primeiros dias, ficamos atentos a todas as notícias sobre mortes e roubos. Lembro de estarmos convencidos que não poderíamos "vacilar" (como classificamos no Brasil quando alguém é assaltado). Bom, esse medo sumiu completamente. Obviamente que tragédia pode acontecer em qualquer lugar do mundo, mas a sensação, mesmo na cidade "menos segura" da Austrália, é de tranquilidade total. Posso pegar ônibus ou trem, trabalhando com meu computador no colo, posso tirar o celular do bolso sem medo de "chamar atenção" e posso curtir a brisa, dirigindo de janela totalmente aberta. A verdade é que você vive sem ter aquela nuvem negra de medo ao seu redor, tendo que prestar atenção em tudo e todos, independente de onde esteja ou o que esteja fazendo.
Essa sensação de paz e segurança tem uma base muito forte que começa através do respeito e bondade da sociedade australiana, em geral. No Brasil, a realidade é que nosso mecanismo automático de proteção fica acionado o dia todo e já partimos do pressuposto que tentarão nos machucar, roubar ou tirar algum tipo de vantagem, e isso é terrível! Temos pessoas incríveis e inocentes ao nosso redor, mas a desconfiança e medo são intrínsecos ao brasileiro. Nesse quesito, anotei dois exemplos por aqui, que, mais uma vez, são super simples, quase imperceptíveis: Durante o dia, percebi que o meu sócio, vez ou outra, deixa o portão do nosso depósito (carregado de caixas de vinho do mundo todo) totalmente aberto, sem ninguém por perto, enquanto estamos no andar de cima. Demorei para acostumar que as pessoas trabalhando nas empresas ao lado, ou que algum estranho da rua, não iria entrar e levar tudo. Pode acontecer? Claro! Mas a sensação geral e primária aqui é que ninguém vai (ou precisa) fazer isso, o que muda completamente a dinâmica das relações. O segundo exemplo é no trânsito: "Gentileza gera gentileza"! A sinaleira parece mágica, pode esperar que 95% dos carros vão parar ou diminuir a velocidade para deixar você passar, na mesma hora. Semana passada, estava procurando vaga e uma mulher que vinha andando ao lado do carro acelerou o passo e gritou "Meu carro tá bem ali na frente, vou sair, você pode parar lá".
Bom, e seu eu falar que até a minha saúde é melhor longe do Brasil? Sei que soa arrogante e exagerado, mas com a explosão da acusação de venda de carne estragada e diversos vídeos de alterações de datas de validade em supermercados, resolvi tocar no assunto. Primeiro, sempre achei curioso que ao morar em cantos diferentes do mundo, minha saúde melhorava 90%. Sempre que voltava ao Brasil, comentava com meus pais, que são médicos, mas sempre achei que era algum tipo de alergia. Depois disso, conheci minha noiva no Brasil e me acostumei com o número de remédios que ela precisava tomar para uma dor de cabeça um dia, um enjôo no outro, e por aí vai. Nos mudamos para a Austrália, e, em poucas semanas, isso mudou completamente. Hoje, raramente tocamos em um remédio. A nossa suposição é justamente a alimentação. A Austrália é conhecida por forte regulamentação, chegando a ser classificado como um país "chato" por muitos. Como exemplo, eu tinha o sonho de trazer os meus cachorros do Brasil, mas é um processo extremamente complicado (principalmente para eles) por se tratar de uma origem de risco (Brasil), o que pude entender, apesar de sofrer com a decisão de deixá-los. Como consequência de tanta fiscalização e controle, posso dizer que nos sentimos muito mais protegidos e sentimos mais confiança no que consumimos. Não tenho nenhum dado concreto nesse sentido, repito que é uma suposição, mas temos indicadores muito fortes que nossa saúde melhorou MUITO da "noite pro dia".
O problema do Brasil é que tudo acaba virando "normal", a gente vai se acostumando, vai parando de reclamar, e vai vivendo… "É o jeito né?". Mas como levar a sério um país que tenta resolver problemas de países desenvolvidos, como construção de ciclovias, quando não temos saneamento básico? Saneamento Básico! Básico! Estamos falando em mais de 35 milhões de brasileiros sem água tratada, em menos de 50% de esgotos tratados e, obviamente, muita gente adoecendo e indo parar nos chãos dos hospitais.
O modelo de educação é simplesmente o contrário de quase todos os países desenvolvidos: Você precisa pagar para ter educação de qualidade nos primeiros anos de vida. O que é isso? É preciso parar tudo, estudar modelos que deram certo e clicar no "reset".
E que "gritaria cega" é essa que ouvimos em todos os cantos do país de "garantir meus direitos", quando o assunto é emprego/CLT e aposentadoria/INSS? O governo está "segurando vela" nessas relações, precisamos de muito menos governo. Novamente, olhe para qualquer país mais justo e você vai entender que esses "direitos" são uma propaganda que o governo te vendeu e você compra sem nem questionar, mesmo perdendo. Aqui na Austrália, você contribui para aposentadoria através de fundos privados, que estão disputando qual vai te dar mais retorno, melhores investimentos, etc… Que competência e track-record o Governo Brasileiro tem para gerenciar o seu dinheiro? Alguma razão para se meter nas negociações entre empresas e trabalhadores? Você acha que a CLT está protegendo, mas nunca parou para entender que poderia estar ganhando mais no final do mês, tomando suas próprias decisões, sem ter o inconveniente e onipresente, Estado, como babá!
Empreender ou trabalhar com inovação no Brasil é simplesmente viver em estado de guerra diária com o Governo. Há uma gigante perda de talentos, como consequência. Isso é assunto para um outro post, mas não é por menos que, até mesmo no meu círculo de amizades, posso listar profissionais de ponta, que poderiam estar fazendo a diferença no paupérrimo estado do Maranhão, mas não pensaram duas vezes e estão espalhados pelo mundo, abrindo empresas ou trabalhando para grandes nomes como Microsoft e The New York Times.
Há de se concordar com Zweig por classificar o Brasil como um forte candidato a potência do futuro. Temos todas as características, todo o hardware, só falta os gestores de qualidade para fazer o software funcionar bem. Mas a mesma comparação que fazemos do Brasil com o resto do mundo, eu sempre fiz do Maranhão em relação ao Brasil. Território vasto, porto profundo, maior proximidade com EUA e Europa, bom solo, potencial turístico absurdo, cultura forte, e por aí vai. A teoria é linda, mas acaba aí, no hardware.
Quem sabe temos uma reviravolta e as eleições do ano que vem nos tragam boas surpresas? Fato é que acabei de digitar isso e já achei ilusão.