Mudando de vida em dois anos
December 2017
Em Dezembro de 2015, deliberadamente dei uma pausa em um dos hobbies que mais gosto de praticar. Estava em uma situação difícil no Brasil e sabia que precisaria eliminar algumas coisas para manter foco no pouco que importava naquele momento.
Como felicidade de criança no Natal, dá para imaginar como estou me sentindo agora, dois anos depois, com uma prancha nova em folha e pronto para cair na água, aqui na Austrália.
Empreendendo no Maranhão
Rebobinando alguns anos, eu acabava de voltar para São Luís do Maranhão, em 2010, depois de uma temporada de trabalho em Perth, na Austrália. Estava com muito energia e "sangue nos olhos" para tocar algumas ideias na área de tecnologia. Como base, tínhamos a Intertech, que fundei com o Fernando Belchior alguns anos antes e que atuava na área de desenvolvimento de sites e sistemas para pequenas e médias empresas. Nada muito inovador, mas pagava as contas e se transformou na grande arma que nos possibilitou formar um time de profissionais super talentosos no início de suas carreiras. Um ambiente perfeito para inovação.
Em seguida, fizemos diversos experimentos, lançamos alguns produtos e contamos com alguns casos de fracasso e outros de sucesso. Estávamos, ainda sem saber, aplicando a metodologia lean de startups para lançar cada ideia. Como esquecer do lançamento do Cafufa.com? Com o primeiro design feito por um desenvolvedor (o grande Almir Filho, que trabalha e vive no Havaí, hoje em dia) e com o meu sócio no projeto, Breno Pessoa, pedindo para todos os nossos amigos comprarem ingressos pelo site, e não na bilheteria do evento.
Em 2013, enfim, eu parecia estar cara-a-cara com o que parecia ser o meu "big break". Nascia o "Wanna Migrate", um conjunto de ferramentas para auxiliar o processo de decisão e imigração de milhões de indivíduos que sonham em mudar de país, ou seja, quase 15% da população mundial de adultos. Antes de escrevermos uma linha de código, conseguimos apoio e capital do Governo do Chile, através do programa Startup Chile.
Rapidamente, captamos milhares de usuários de todo o mundo e começamos a experimentar diversos modelos de faturamento. O que vem em seguida, considero o meu maior erro profissional até aqui.
Tínhamos possibilidades de levantar investimento para o projeto no Canadá, em São Paulo e no Maranhão. Como alguém que lutava para melhorar o ambiente de inovação no Maranhão, que fundou o Startup Maranhão, ao lado de Bruno Lima e que sonhava com um grande escritório de tecnologia na Lagoa da Jansen (em São Luís), com mão de obra local e produzindo soluções globais, a decisão foi rápida. Optei pelo Maranhão.
O detalhe? O capital veio através de um edital de inovação, ou seja, firmamos contrato e parceria com o Governo do Maranhão. Tivemos um projeto de doze meses aprovado, o qual seguimos linha a linha e a todo vapor. Assumimos vários compromissos: Assinamos contrato com um time, com outras empresas e marcamos viagens e reuniões em datas cruciais.
Nos primeiros meses, ao lado de Márcio Oliveira, conseguimos diversos resultados: Chegamos ao total de 15.000 usuários, começamos a gerar receitas, ganhamos um prêmio no Desafio Brasil de Inovação e chegamos duas vezes à final da YCombinator, a principal aceleradora do Vale do Silício, com o maior número de casos de sucesso do mundo (Airbnb, Dropbox, Stripe, etc…).
Recebemos 50% do capital no início do projeto e jamais vimos a parte final que estava acertada em contrato para a metade do projeto. Alguma surpresa? O pior é saber que trabalhar em parceria com o poder público no Brasil, foi uma decisão minha. O erro foi meu!
O resto é História, mas mesmo a empresa dando os primeiros passos em faturamento, tive que tirar do meu bolso para cumprir os contratos que havíamos firmado, mas sempre com a informação de que "no próximo mês o pagamento sairá". Os meses foram passando, e mesmo a empresa vivendo seu melhor momento, eu estava, pessoalmente, quebrando financeiramente. Sou abençoado por ter contado com suporte financeiro dos meus pais, ou a história teria sido ainda mais complicada. Ainda assim, estava ali, beirando os trinta anos de idade, muito próximo de um sonho, mas precisando parar tudo e recomeçar do zero.
Ao mesmo tempo, minha esposa, Letícia (namorada na época), havia acabado de largar sua carreira, com o objetivo de experimentar outra áreas, começando do zero também.
Assim como diversos outros jovens, frustados com o Brasil, a decisão foi óbvia: Sair!
Dois anos de Austrália
E aqui a conexão com parar de surfar.
Mesmo sendo uma coisa pequena, mencionei de forma simbólica para entender o momento: O primeiro passo seria parar tudo e tomar a decisão de que eu correria atrás de um emprego. Saúde financeira e qualidade de vida passavam a ser o foco, com isso, como quase tudo na vida, abrir mão de outras coisas seria inevitável. Empreender, surfar…? Tudo ficaria para uma próxima hora.
Ainda do Brasil, consegui um emprego em Sydney, em uma empresa disposta a "patrocinar" os nossos vistos. Com isso, eu e Lele passamos o Natal de 2015 em um avião (a menor tarifa que achamos) e chegamos no país que mudou nossas vidas.
Quem já empreendeu, sabe o quanto é difícil voltar a ter um emprego. Mas me dediquei 200% com o foco de equilibrar as finanças, para um dia voltar a empreender.
Eu brinco que, para quem teve o treinamento de guerra - que é nascer, trabalhar e viver no Brasil - a Austrália é "fácil" demais, a partir do momento que você se vira no Inglês. É um país extremamente justo, se você corre atrás, você acha!
Em alguns meses conheci o Tom, que ao lado do Banjo, estava tocando a Wine Gallery, um clube de assinatura de vinhos com ambição de construir algo mais personalizado, como um Netflix (ou Spotify) para vinhos. Depois de alguns experimentos, decidimos firmar sociedade no projeto: O Tom é o cara mais talentoso que já conheci para liderar, rodar estratégia e marketing, o Banjo é um dos melhores sommeliers da Austrália, e eu entrei para escrever a tecnologia do zero.
Mudei meu horário no emprego para 06:30h às 14:30h. Com isso, tinha tempo para dedicar o resto do dia ao projeto. Cansativo, mas novamente, com "sangue nos olhos". Ao mesmo tempo, Letícia já estava trabalhando em uma área totalmente nova para ela: Logística, em um dos maiores e-commerces da Austrália.
Como disse, aqui tudo acontece mais rápido. Depois de dez meses de Austrália, pude largar o emprego para me dedicar somente a empresa. As finanças estavam equilibradas e tive apoio total da minha esposa.
Com muito suor, foco e poupando dinheiro, fizemos nosso processo de imigração e viramos residentes permanentes. A partir daí, tudo ficou ainda mais simples: Saúde pública e de qualidade, sem restrições de trabalho, maior facilidade com moradia, etc, etc, etc… (acho que já falei muito disso em outros posts).
Fechávamos o primeiro ano, mas ainda com alguns pequenos desafios para se adaptar de vez por aqui. No primeiro ano dividimos uma casa com a Tat e o Daniel, que se tornaram grandes amigos. O próximo passo era ter o nosso próprio cantinho, assim, mudamos para um apartamento que adoramos, no início de 2017. Alguns meses depois, em Novembro, realizamos nosso sonho de casar na praia, no Caribe. Tivemos momentos mágicos com nossas famílias e melhores amigos.
Outra grande novidade do ano que passou foi a mudança de um casal de amigos de São Luís para Sydney. Céres e Fernando chegaram e trouxeram não só o "éguas" do Maranhão, mas aquele climinha de família. Estou em contato com pelo menos outros cinco conhecidos que estão planejando vir para cá, fora a minha família. Ahh, e o meu parceiro de surf por aqui é o Thiago Guará, que foi meu amigo de escola no primário em São Luís… Mundo pequeno!
A Wine Gallery segue a todo vapor: Encerramos o ano com crescimento de 1000% no número de assinantes, com mais de 100 mil garrafas de vinhos vendidas, e o melhor, com muitos clientes felizes e uma base de crescimento "boca-a-boca" essencial. O Wanna Migrate morreu, mas criei um projeto na mesma linha, que hoje toco como outro hobbie. Para quem está pensando em imigrar, tento sempre ajudar de alguma maneira pelo Duoflag ou pelo Quora.
Bom, me sinto completamente adaptado e tranquilo por aqui e extremamente agradecido por ter saúde para correr atrás do que preciso e desejo. É muito bom olhar para trás e saber que cada noite de sono perdida tem sua recompensa.
Que venha 2018, com muitos desafios e surpresas, para todos nós.
Feliz ano novo!